domingo, 28 de outubro de 2012

Capítulo 2



Capítulo 2
Meu Closet é Uma Base Militar da Terceira Guerra Mundial
Peguei o ônibus de número 204 para ir até essa tal rua, onde morava Amanda. Acho que ela iria me contar que era uma bruxa, ou que me convidaria para ser sua amiga. O que eu recusaria, com certeza. Não sabia também porque estava indo para lá, sendo que não havia motivo nenhum. Até parecia um filme daqueles mal feitos. Peguei o celular e coloquei na Minha Seleção e começou a tocar meus preferidos. Rock nacional. Adoro. Fechei os olhos, e acompanhei o ritmo da música. O cobrador do ônibus cutucou meu ombro.
- Seu ponto é o próximo.
Sim, eu pedi a ele para me dizer onde eu deveria descer para a Rua da Casa do Protetor. Eu sempre fui meio amiguinha deles. Sabe, eles são boas pessoas, e eu fico conversando com eles para afastar o medo de andar de ônibus sozinha. Desci no próximo ponto de ônibus. Sim, era uma casa bem estranha.
A rua era deserta. Não havia mais ninguém andando por elas. Nenhuma outra casa. Somente uma cabana feita de madeira. Era um tanto pequena. E parecia uma cabana de veraneio. A janela estava aberta, e os degraus rangiam. E o cheiro de enxofre era forte. Era como se aquela casa fosse inabitada por muito tempo. Então, um barulho muito parecido com uma labareda. E era uma labareda. Assim que entrei na casa, vi o fogo subindo. Corri para a porta e bati nela por uma eternidade. Puxei a maçaneta e até a quebrei, mas a porta não se abriu. O lugar estava se consumindo pelo fogo muito rápido. Por algum motivo, eu não sentia o calor dele. As janelas estavam fechadas, como se estivessem emperradas. O que não estavam á alguns segundos atrás. Fiquei certa de que Amanda era um demônio ou coisa do tipo. Encolhi-me numa parede e escondi o rosto nos joelhos. Abracei-os e comecei a chorar. Não queria morrer. Não sem antes dar adeus ao meu pai. Bom, para ele até seria melhor eu ir embora mesmo. Seria um fardo a menos.
Fiquei a soluçar e a repetir para mim mesma “Eu não vou morrer, eu não vou morrer”, mas eu sabia meu único destino. A não ser por algum milagre, eu nunca sairia viva daquela situação. Para quem não sabe como é saber como vai ser sua morte, e quando vai morrer, ao pode dizer que já passou pelo verdadeiro terror. Senti uma coisa me puxando. Ótimo, adeus vida, a Dona Morte está me tirando do me corpo. Mas não. Eu senti uma mão muito, muito fria segurar meu braço e me puxar o mais rápido possível. Tropecei várias vezes nos móveis que eram consumidos pelo fogo. O chão já estava coberto pelo fogo. Admirava-me muito que meus sapatos, nem os sapatos de Amanda se desmancharam ou ficaram chamuscados. Quando saímos pela porta dos fundos, após termos atravessado a cozinha e o banheiro, ela se deitou no chão e começou a contar até 10.
- Eu não acredito que eles fizeram isso! – ela gritou para o céu. E por algum motivo, um pingo de água caiu em sua testa. Ela rangeu os dentes e guspiu no chão seco.
- M-mas... – minha voz quase sumia em meio a minha garganta raspada. – A-a-amanda! – falei quase não acreditando. Aquela era uma menina muito estranha. – O que houve?
Ela ficou em silêncio por algum momento, e então se sentou no chão, como eu, e começou a explicar e usar as mãos, como sempre faz quando conversa com alguém. Eu definitivamente não entendo essas pessoas que falam movimentando a mão. Parece que estão fazendo alguma magia ou algo do tipo. Bom, em Amanda não parecia tão estranho assim.
- Você é louca! – ela afirmou – Você é muito louca! Você ficou numa casa pegando fogo!
- O que? M-mas... A porta não abria... Eu iria morrer queimada se não fosse você. Amanda me conta o que está acontecendo... – pedi.
- Ahn... Aliss...  Ah, eu não posso. – ela confessou. – Mas você está indo no caminho certo. Talvez você seja ela. Por favor, que seja. Já cansei de procurar-te. – ela respirou fundo. – Venha. Temos que te apresentar a um homem que poderá dizer se você é realmente que nós pretendemos que seja.
A única coisa que pude soltar foi:
- O que? Te seguir de novo? Só pra entrar em outra casa pegando fogo e morrer carbonizada? Não, obrigada...
Amanda piscou e abriu um pequeno sorriso de dentes um pouco irregulares e um aparelho com borrachinhas na cor do céu, ou do mar. Era uma mistura de verde e azul. O que me dava uma impressão de que eu nunca havia notado que a maioria das coisas que Amanda tem ou faz usam essas cores. Azul céu e verde mar. Ela se levantou e limpou o pó de sua calça.
- Vamos, - chamou novamente – Ou vai querer esperar o próximo ônibus daqui meia hora nesse Sol?
Neguei com a cabeça, e ela confirmou. Começou a andar para dentro da casa, que agora parecia normal. Não havia nada de errado nela. Não havia fogo, nem nenhum indício de que mais cedo houve um incêndio. O que me deu ainda mais medo de Amanda. Ela agia como se aquela não fosse a coisa mais interessante da casa. Ela entrou pelas portas dos fundos. Todos os móveis estavam intactos, como se ninguém houvesse limpado a casa a muito tempo. Amanda entrou no banheiro. E aperto a descarga. O vaso se moveu imediatamente. E um buraco apareceu. Amanda olhou para mim, e depois pulou para dentro do buraco. Ela estava mesmo escorregando num tobogã pelo esgoto? O que mais eu poderia fazer? Vai que aquela casa começava a pegar fogo novamente? Então, decidi seguir Amanda. E pulei dentro do buraco. A primeira coisa que percebi, foram as paredes. Elas eram como metal. E escorregadio. Cheio de voltas e mudanças na velocidade. Até chegar ao fim, onde eu caí com tudo no chão, não esperando o final do escorregador.
- A última vez que desci por um escorregador foi na primeira série. – comentei meio zonza pela nossa viajem nada agradável ao meu intestino.
Amanda não estava lá. A sala estava vazia. Uma sala cheia de maquinas e alta tecnologia. No alto de um pilar estava o nome “Bianquine”, em outro pilar o nome “Virgínnio” e em outro, bem na frente da sala, com o nome “Sant’Anna”. Espera, Sant’Anna era o sobrenome de Amanda. Onde eu estava? O que eram aqueles pilares, e o que eles representavam. Ao lado do pilar de Amanda estava um com o sobrenome “Joe”. Ele era decorado com desenhos de fogo e chamas, labaredas e outras coisas desse jeito. O pilar era em mármore da cor bronze e os desenhos eram em dourado e vermelho, com alguns detalhes em preto. O de Amanda era cheio de ondas e conchas, algas e estrelas do mar. Todos pareciam nadar em volta do pilar. Percebi que as chamas do meu pilar pareciam vivas, e tremeluzia em volta do pilar. O de Amanda era azulado e tinha ondas esverdeadas. O terceiro pilar, com sobrenome “Bianquine” era negro, e tinha traços de marrom e verde grama. Era o menos chamativo dali. O quarto era de sobrenome “Virgínnio”, com uma cor mais puxada para o mel, e alguns animais andando por ele, em forma de desenhos. Como macacos e até leões. O quinto e último era branco, e os desenhos eram quase invisíveis nele. Uma massa de ar rodava em torno desse pilar e o sobrenome “Marquez” estava em cima. Os desenhos eram em prata. Representavam o vento e alguns flocos de gelo sendo levados por esse vento. Todos os desenhos de todos os pilares se mexiam. Como se tivessem vida.
- É ela, Tio Marley. – Amanda falou atrás de mim.
Virei-me. Um homem com barba comprida e ruiva me observava coçando o queixo. Aquele não parecia nem um pouco com Amanda, para ela o chamar de tio. Mas vá entender a família. Os cabelos do homem também eram ruivos, como os meus. Os olhos eram verdes e grandes por trás de seus óculos. Sua roupa era meio estranha para mim, mas se encaixa com  ambiente. Ele usava um jaleco branco, e por baixo do jaleco um suspensório e uma camisa verde, com o desenho de um jacaré, Lacoste.
- Parece bem com o Protetor original... – o velho concordou. – Tem os mesmos cabelos e... – ele pareceu contar quantas sardas eu tinha – doze sardas, exatamente o números de sardas do Protetor do Fogo. Bom trabalho, Amanda. – o velho se virou para Amanda e colocou a mão em seu ombro – Estou orgulhoso de você, filha.
Espera, mas eles não eram tio e sobrinha. O homem se afastou e começou a mexer com alguns papeis e uma máquina que mais parecia um mega-hiper-computador.
- Legal Tio Marley gosta de mim. Isso vai melhorar minhas aulas...
- Mas ele é se tio ou seu pai? – perguntei altamente confusa.
- Meu pai. E... meu tio. Bem, o Tio Marley foi quem juntou as células para me formar, entende? – ela revirou os olhos – Claro que você não entende! Acabou de chegar na Fraternidade!
- Frater... Fratern... Fratern-O que? – perguntei.
- Fraternidade. – ela corrigiu – O lugar onde estamos. Ele é onde nós passaremos nossa vida e desenvolveremos nossos dons para proteger o mundo! – ela exclamou como se fosse uma criança feliz dentro de um conto de fadas. O que eu me sentia.
Acho que estava estampado na minha testa “Não entendendo nada”, pois Amanda revirou os olhos, como é seu estranho costume, e começou sua explicação movimentando as mãos.
- Nós somos da Fraternidade, uma comunidade de cientistas que fazem de tudo para proteger e ajudar o mundo. Mas nem todos estão cooperando. Há muito tempo atrás, diziam ter existido cinco guardiões. O guardião da terra, do mar, do fogo, do ar, e dos animais. Eles cooperavam para ajudar o planeta a não se estragar. Eles eram chamados de Protetores. Mas há muito tempo eles se perderam. E por isso, os cientistas resolveram testar, para ver se esse mito realmente era verdade. E olhemos nós aqui! Eu sou Protetora do Mar, por isso não me queimei naquela casa. Você é a Protetora do Fogo, o elemento mais delicado. Por isso também não se queimou na casa, em meio ao incêndio. O fogo na verdade foi um teste que Tio Marley organizou para testar sua resistência e se você realmente era uma guardiã.
- Então quer dizer que, se eu não fosse uma guardiã, ele iria me matar?
- Com certeza. Eu poderia até ter ido te ajudar, mas o fogo pelo caminho da porta aberta te consumiria antes que chegássemos até ela.
- Então... Eu sou... Tipo... Uma mutante?
- Vamos encarar isso como algo legal, como... Uma menina com dons especiais. Nós estaremos seguros aqui. Desenvolveremos nossos poderes e aprenderemos como fazê-los. Eu, por exemplo, já estou aprendendo a fazer água doce. – exibida como sempre, essa era Amanda Sant’Anna. Mas de um jeito diferente.
- Posso perguntar o que esses postes com nossos sobrenomes estão fazendo aqui?
- Como os cientistas não sabiam como poderiam nos encontrar, eles marcaram pilares com o sobrenome de cada um. O meu, por exemplo, é o que tem “Sant’Anna” escrito. Ele foi decorado por meu pai. Tio Marley. Seu pai também decorou o seu. Embora eu não saiba como ele colocou o fogo sem se queimar.
- Então... Meu pai também é um mutante?
- Olhe, eu já disse que nós não somos mutantes! E seu pai não é um “mutante”. Ele é um cientista da Fraternidade. À uma hora dessas, deve estar supervisionando alguma experiência para e ajudar a desenvolver seus poderes. Os cientistas fundadores da Fraternidade doaram seus Gametas para nos formar. Assim como seu pai doou o dele, Tio Marley também doou, e me formou. Eu não sou filha dele. Mas podemos dizer que somos da mesma família. Assim como eu e você.
- Então, quem é minha mãe? – perguntei.
- Sua mãe com certeza é uma substância explosiva e delicada que deve desenvolver a reação do fogo, ou seja, ela não existe.- falou com um jeito de esnobação, o que eu sabia como fazê-la pagar.
- E você é filha de um Plâncton, não? – sorri. Logicamente, Amanda não levou na brincadeira.
Ela endureceu o rosto e eu vi de suas mãos cerradas sair água. A água escorreu pelos seus dedos e caiu no chão deixando um barulho irritante.
- Eu vou apagar seu fogo rapidinho, Senhorita Joe. – ela grunhiu.
- Espera, foi brincadeira! – sorri, tentando mostrar que estava brincando.
Ela sorriu de volta e a água que escorria de seus punhos parou. Ela estava menos vermelha e com um brilho azulado nos olhos.
- Eu também estava brincando, bobinha! Mesmo que sejamos o mais diferente possível... Você ainda é minha amiguinha, não?
- Acho que sim... – respondi com medo de seu sorriso.
Ela se espreguiçou e encostou-se em seu pilar, a água que girava em volta dele mudou o percurso. E evitava onde Amanda encostava. Eu não culparia a água se ela estivesse com medo de Amanda. Olhei para meu pilar. Ele era o mais alto. O mais grosso era o meu vizinho, que deveria simbolizar a Terra, já que era marrom e cheio de vida e grama. O menor era o dos animais. O normal era o de Amanda, e o do Vento quase parecia desaparece em seu lugar, como se ele se misturasse com o ambiente.
- Amanhã iremos para o Sul, Tio Marley previu uma forte chuva se aproximando. E acho que isso é um bom sinal. – ela falou, como se comentasse isso para si mesma, e assumiu uma expressão de dúvida.
- O que foi? – perguntei.
- Ahn, nada. Bom, é que eu nunca saí realmente para treinar. E... Eu tenho medo de destruir algo, ou... Coisa pior...
- Mas sou eu quem tem que ficar com medo, não? Eu sou fogo, sou eu quem destrói tudo.
- Você pode ter razão, mas... Não quero causar outro desastre, como no Paraná...
- O que aconteceu no Paraná?
- Nada! Só... Professor Marley achou que eu estava pronta, mas errou. Agora... Eu vou me recolher. – falou erguendo sua mão para o pilar em que encostava, e uma porta se abriu instantaneamente. Quando Amanda entrou, a porta se fechou atrás dela e desapareceu. Olhei para meu pilar. Será que havia alguma coisa de especial nele? Uma porta invisível ou alguma coisa desse jeito. Uma senha secreta. Talvez. Mas ninguém havia contado nada. Andei em volta dele, para ver se havia alguma porta. Mas era só um pilar de mármore. Aproximei-me. Coloquei a mão perto das chamas que corriam em volta do pilar. Elas se dissiparam. Ergui a mão e o fogo se dissipou novamente. Uma porta de vidro apareceu. Eu não sabia por que o vidro não se quebrava. O fogo deveria estar muito quente. Embora eu não pudesse senti-lo em minha pele. A porta de vidro se abriu, e da porta eu pude ver um quarto em cores quentes. Como vermelho, laranja e bronze. Entrei. A porta de vidro se fechou atrás de mim e desapareceu. Tive medo de estar sobre aprisionamento. Ou algo do tipo. Virei-me de frente para meu quarto. O quarto parecia estar recém-reformado, pois o cheiro de tinta fresca era evidente. E eu definitivamente amava aquele cheiro. A tintura era um borrão de vermelho vivo, laranja Sol e bronze dourado. O carpete era marrom. Não havia janelas ou sequer um sistema de tubulação de ar. Mas o ar do quarto era suave e fresco, como se houvesse um ar condicionado escondido por ai. A cama era a coisa mais deliciosa que eu já havia me deitado. As colchas eram macias e fofas. Acho que eram as únicas coisas do quarto que não tinham as cores em tons quentes. Ela era branca. E felpuda. As almofadas eram macias e fofinhas. Com alguns desenhos como águias. Como eles sabiam que meu animal preferido são águias? O que mais me surpreendeu foi o frigobar. Cheio de Coca-Cola, a coisa que eu mais amo na vida. Na cabeceira da minha cama estavam chocolates. Mas não simples chocolates, eram chocolates da marca que eu mais gostava. Quando meu pai comprou essa marca, quando eu tinha uns quatro ou cinco anos, eu quase pulei em cima dele, pois era a minha primeira barra de chocolate, e como nunca fomos muito ricos, minha única. Mas se meu pai era um cientista que podia formar uma humana, como eu, a partir de espermatozóides e substâncias do fogo, ele não deveria ganhar somente um salário mínimo! Em meu bolso algo incomodou, enquanto eu estava deitada. Enfiei a mão lá dentro e procurei o que incomodava tanto. Um broche. Mas não só um broche, ele era no formato de uma espada. Uma espada reta e pontiaguda, com dois gumes e um cabo dourado. O broche não fazia muito meu estilo, quando acabei de pensar nisso, uma corrente saiu de repente do broche, e ele já não era mais um broche. Era um colar. Virei a peça da espada. Atrás dela estava meu nome, Aliss Joe, e embaixo o nome de meu pai, Vicente Joe. Eu nunca o questionei para saber por que eu nunca tive mãe, ou por que ele não tinha fotos ou nenhuma lembrança dela. Em parte, era por que eu nunca ficava mais de um dia com ele. Em parte, era por que eu sempre queria aproveitar nossos momentos da forma mais feliz que podia, sem ter lembranças tristes. E pelo que eu achava, minha mãe deveria ser uma lembrança ruim. Mas agora, vejo que fui meio tola hesitando em perguntar. Talvez eu até conseguisse treinar meus poderes sozinha e jogar fogo na cara de Sandra, para ver se seu rosto melhorava o que eu achava bem difícil.
Portas me chamaram a atenção. Elas eram gigantescas, e iam do teto  até o piso, e o teto não era tão baixo assim. Um closet só para mim? Nunca fui de me arrumar muito, mas seria muito legal se fosse só com roupas para mim, e que elas fossem do meu tamanho, lógico. Mas quando abri a porta do armário, quase vomitei arco-íris. Armas. Armas de fogo. Espadas de todos os jeitos. Todas penduradas na parede. Aproximei-me de uma que era tão reta quanto uma régua, e tão fina quanto um pequeno floco de gelo. Olhei o nome da faca de caça que estava embaixo dela. “Espadas das Amazonas”. Mas as Amazonas não eram tipo um mito? Como aqueles cientistas malucos tinham encontrado aquela arma... Meu queixo caiu. Bem ao lado tinha uma arma, também grega, com o nome “Marreta do Minotauro”. Era para eu morrer feliz, mesmo. Muitas armas todas diferentes. Aquilo era o paraíso. Não encontrei nenhum arco e flecha, como esses filmes de hoje em dia ficam anunciando como arma muito perigos e tal, muito pelo contrário, havia granada e dinamites. Tudo de combate, como se o meu closet fosse a base militar de alguma guerra.

Fiquei admirando a precisão das facas e lâminas, já me esquecia que deveria voltar para ver Sandra, e que meu pai deveria estar preocupado com meu sumiço. E se fossem mais de nove horas. Eu não conseguia ver tudo isso passar tão rápido. Para mim foram apenas alguns minutos, mesmo que eu ainda não acreditasse que pudesse ter alguma ligação com essa coisa de Fraternidade, e cientistas em busca de um mundo melhor. Mesmo assim, eu continuava a checar as armas, como se um dia pudessem ser precisamente conhecidas para quem as manejasse soubesse tudo o que fazer com ela. O que eu poderia prever.
Hesitei muitas vezes, queria pegar em uma. Ou tocar na lâmina, para saber se era ou não tão afiada quanto parecia. Mas tinha medo daquilo não ser brincadeira ou enfeite. Se Amanda aparecesse eu surtaria. Não queria confusões.
- Você está se segurando, não?
Virei-me e a vi, com os dedos nos cabelos louros. Desembaraçando as madeixas douradas. Ela tinha olhos castanhos claros, como mel. O que me deixava um pouco irritada, já que eu sempre quisera ter olhos daquela cor. Amanda sempre foi o exemplo de garota que eu sempre quis ser. Cabelos louros lisos, mas encaracolados no fim. Olhos cor de mel. Sem nenhuma sarda no rosto.
- O que? – me fingi de desentendida.
- As espadas, você quer pegar. – ela explicou.
Pisquei para ela. Amanda colocou sobre uma adaga em cima de uma mesa cheia de pergaminhos e papiros, como se fossem estratégias muito antigas. Pensei que fosse me duelar, ou que iria falar que eu podia pegar, mas só disse:
- Jantar daqui oito minutos. E Tio Marley não gosta de atrasos. – falou saindo de dentro do closet. Não consegui vê-la sair de meu quarto, mas acho que havia saído, pois estava tudo em silêncio.
Passei a mão por cima de uma lâmina. O calor que ela emanava era tremendo. Ela era como uma adaga, mas muito mais fina. A lâmina no começo deveria ter três centímetros, e no fim menos de um. Do lado da lâmina central, estava mais outras duas lâminas, juntas no mesmo cabo. Eles formavam uma espécie de Tridente, mas em forma de faca-adaga. Olhei para o nome lá escrito. “Adaga Feminina Egípcia”. Olhei em volta. Tudo era de guerra. Procurei por roupas, mas só encontrei armaduras. Procurei por sapatos, mas só botas para lama. Procurei por livros legais (mesmo que eu não fosse lê-los), mas só encontrei pergaminhos e papiros com estratégias e símbolos estranhos.

Olhei para a mesma parede por onde entrei no quarto. Mas não havia nenhuma porta ou passagem. Só a parede. Fiquei olhando-a, procurando algum jeito de abri-la. Notei alguns desenhos. Um cavalo muito grande, que parecia de madeira, era levado para dentro de portões, homens com o corpo para frente, mas o rosto de perfil correndo com espadas curvadas nas mãos. Mulheres com peles de leão e rostos de pássaros com aquelas adagas egípcias femininas. No centro da parede, entre todos os desenhos, estava o maior e mais brilhante, com curvas douradas e um tremendo corte negro. Uma águia. Mas não só uma águia. Uma águia voando. Voando e batendo as asas. E batia mesmo. Como se fosse viva. Pensei que aquilo deveria ser uma projeção na parede, ou algum neon, mas a figura parecia mesmo ter sido feita a tinta.
- Como eu abro? – perguntei a mim mesma.
- Ora, já não era mais tempo! – uma voz falou dentro do quarto. – Bem,você pode fazer qualquer coisa! É só querer abrir a porta, e ela vai abrir. O quarto está ligado a você, ele atende a seus desejos e te dá o que você mais gosta. Claro, sem exageros.
- E você é... ? – perguntei.
- Layla, sou o computador chefe. Senhor Marley irá te explicar. Mas sempre que precisar de ajuda é só me chamar, ok?
- Tudo bem. Se você quer assim. – concordei.
Estendi a mão. Pensei em todos os instrumentos de guerra. Um Canhão, era a única coisa que eu não havia encontrado ali. Um buraco apareceu. Como se a parede não existisse. Não era muito grande, mas dava para eu passar. Foi meio difícil. Confesso que senti medo da parede voltar ao normal enquanto eu estivesse passando. Do lado de fora, Amanda já me esperava, como se soubesse que eu já estava saindo.
- Gostou de Layla? – perguntou.
- Como sabe que eu...
- Eu sou Protetora da Água, tenho vários benefícios. – ela piscou – E também você fala meio... Alto.
Sorri para ela, mas não era um sorriso de bons amigos. Percebi que ela estava usando um vestido preto, com uma flor azul cristal na cintura. O cabelo estava preso numa trança lateral e seus lábios estavam em cor de um rosa claro. Mas era só um jantar, não? Eu não sabia se tinha que me arrumar, ou não. Mas minhas roupas não eram as melhores. Jeans surrados e camiseta desbotada. Cabelos presos num rabo de cavalo irregular e sardas por toda a cara. Que cena bonita...  Amanda estava linda, admito. Mas eu não sabia o porquê de tudo aquilo. Mas não perguntei. Acho que ela também notou que não estava usando a roupa mais adequada para ir ao jantar, então só me observou de cima a baixo e ficou meio irritada.
- Espero que Tio Marley não a fulmine pelo visual. – ela concluiu.
- Ele nunca conseguiria isso. – falei – Eu não me queimo...
Ela mandou língua e eu tive que rir. Talvez Amanda não fosse tão esnobe assim.
- Bom, eu posso te afogar, já todo mundo sabe que água vence fogo. E eu sou Protetora da Água...
Retiro o que disse.
Dei de ombros e esperei ela me levar para o local do jantar, mas ela só ficou parada, como se esperasse algo. Então estralou os dedos da mão e sua expressão mudou drasticamente. Penteou os cabelos presos na trança, e ficou meio inquieta. Estranhei seu olhar que me atravessava e ia para bem atrás de mim. Olhei para trás. Um menino estava bem em cima de mim. Levei um susto que me fez dar um pulo para trás. Ele sorriu.
- Cheira a orquídeas... – comentou.
- Ahn... Eu? – perguntei.
- Sim. Olá, Aliss Joe, sou Deni Marley. – ele estendeu a mão.
- Ahn... Aliss Joe, mas... Você já sabe. – falei meio... Corada?!
O menino era muito bonito. Eu não sabia o que dizer a ele. Tinha cabelos castanhos, e olhos verdes. Deveria ter uns quatorze anos. Por ai. E o jeito era de quem gostava muito de animais, pois cheirava a pelo de animal molhado. E suas roupas estavam cheias de barro e terra. Dei graças a Deus por não ser a única mal arrumada para ir ao jantar.
- Pode ir indo. – ele falou a Amanda – Vou me arrumar.
Amanda assentiu, e pegou no meu braço. Ela me puxava, mas meu olhos não podiam deixar o menino tão bonito. Ele era um anjo... Ele deu tchau com a mão e piscou para mim. Ou para Amanda, mas eu não sabia se ela estava olhando para ele.
- Quer casar comigo? – falei por puro impulso.
- O que? – Amanda perguntou quando soltou meu braço.
- N-nada. – respondi.
Amanda sorriu e colocou o dedo na frente da boca, como se não fosse contar nada a ninguém. Não havia notado a grandeza da sala onde estava. Era como uma sala de jantar somente para jantar. Como a Copa de uma mansão. Um ruivo velho estava sentado na última cadeira da mesa, que deveria ter uns quarenta a sessenta lugares vagos. Amanda sentou-se no lugar onde estava seu nome, o prato era decorado com ondas e peixinhos felizes. O copo também tinha os mesmos desenhos, e combinava com o guardanapo e os talheres que ela usaria.
- Que lindo você usa o kit do Peixonauta. – sorri.
- Você também. – ela indicou com o dedo.
Mas o meu kit era bem mais irado. Fogo, muito fogo. Cobre e bronze. Chamas e todo que é tipo de armas de fogo. Por algum motivo, senti que sabia o nome de cada uma.
- Bem... Por que eu tenho esse monte de coisas, como armas, e você não? – aquilo era mais esnobação, mas Amanda entendeu como uma pergunta. Acho que ela não estava acostumada com esse ato da minha parte.
- Por que o fogo simboliza destruição e guerra, e armas fazem parte disso. Como são chamadas, armas de fogo. – ela respondeu enquanto colocava um pouco de Pepsi em seu copo.
- Hum. – comentei. Ela ofereceu a garrafa de Pepsi – Não, obrigada. Vocês não teriam alguma coisa como... Coca-Cola? – perguntei. Amanda torceu o nariz e me olhou com esnobação. – Não tomamos coisa ruim nessa casa.
- Tem Coca-Zero, então?
Ela revirou os olhos e suspirou como se estivesse cansada da minha teimosia. Mas teria de se acostumar com isso.
- Você parece Deni! – comentou consigo mesma – Temos... Tio Marley, poderia nos passar a Coca Diet?
Não, eu não sabia se ela estava pedindo um refrigerante light ou se estava me xingando em árabe. Diet? Teria algo a ver com dieta? Pelo que eu saiba, Coca-Cola light são chamadas de Coca-Cola Zero. Mas Amanda não era pobre, como eu. Então aceitei seu nome para a Coca-Cola. Bem, eu não iria brigar só por causa de uma garrafa de Coca-Cola!
Quando já estava servida, um perfume me fez delirar. Era um cheiro de perfume masculino. O amadeirado, que eu mais gosto. Um menino com cabelos recém-lavados, olhos extremamente verdes e um sorriso perfeito se sentou ao meu lado. Ela sorriu para Amanda, e depois para mim. Confesso que meu coração parou. E depois começou uma maratona contra meu cérebro, tentando deixá-lo bobo.
- O que temos para o jantar? – perguntou ele.
- Porco assado. – respondeu Amanda.
Deni assentiu e confirmou que estava com muita vontade de comer aquilo. Tio Marley disse que já poderíamos nos servir, e Amanda tirou a tela de proteção que estava por cima da carne de porco que cheirava ainda melhor que Deni. Por algum motivo, eu achava que Deni deveria ser irmão de Amanda.
- Mandy, passe o molho para mim, por favor? – pediu. Depois de se certificar de que o seu pedaço de seu porco estava bem molhado em molho, se virou para minha direção – Você e Amanda devem se dar muito bem!
Quase cuspi em seu prato, tive um ataque de riso quase sufocante. Ainda bem que Amanda me acompanhou, porque eu deveria estar parecendo uma idiota rindo com altas gargalhadas. Deni deve ter percebido que não era bem assim.
- O que te faz pensar que eu me dou bem com ela, Deni? – Amanda perguntou após rir até deixar os olhos vermelhos.
- Ah, bem... Vocês estavam rindo juntas. E você vive conversando com a Layla sobre uma tal de Aliss que te enche na escola...
Amanda corou e percebi que ela chutou a perna de Deni por baixo da mesa. Ficamos em silêncio por algum tempo, o porco estava realmente bom! Eu era a primeira a acabar de comer. Odiava quando isso acontecia. Até parecia que eu era uma morta de fome, ou que eu achava que a comida iria correr do meu prato. Mas era meu jeito de comer. Amanda também terminou, e limpou os cantos da boca com o guardanapo. Quando tentei usar o meu, só para não parecer que eu não tinha classe, o guardanapo acendeu de repente e queimou, até em minhas mãos só restar suas cinzas e o cheiro de papel queimado. Deni soltou um riso, e eu com certeza deveria estar muito vermelha. Amanda também sorriu, mas estendeu a mão para seu copo, fazendo o refrigerante dele começar a flutuar e a formar ondas no ar. Exibida! Acho que ela estava pensando que eu só estava me mostrando para Deni, o que, em parte, era verdade.
- O que você... – comecei. Mas um jato de refrigerante me molhou por inteira. De repente Amanda estava rindo, junto com Deni, e eu estava molhada com refrigerante Pepsi.

Queria matar Amanda por me fazer pagar aquele papelão na frente de seu irmão super gato. Senti minha pele borbulhar de raiva, e nem notei que o refrigerante estava literalmente evaporando. Como se eu estivesse tão quente que fosse capaz de fazer aquilo. Tenho certeza que meu rosto deveria estar tão vermelho quanto meu cabelo. Fiz o prato de Amanda começar a pegar fogo. Não, eu não queria fazer isso, mas eu só pensei em como seria legal ver a cara dela queimada. Ela se desesperou por alguns segundos, mas logo apagou o fogo com um pouquinho de água que estava num jarro ao seu lado. Quando as chamas cessaram, pude ver o rosto dela. Preto, como se tivesse tomado banho em carvão. Foi minha vez de rir, e Deni foi junto.
- Já entendi a rivalidade... – ele comentou entre os risos.
- O que foi? – perguntou Amanda.
O irmão mostrou a ela, com o prato, que seu rosto estava todo preto. Ela me olhou com raiva e molhou as mãos, limpando o rosto. Nem percebi como aquele velho ruivo me olhava com um jeito estranho no fim da mesa.

Bocejei. Estava com sono. O jantar já havia acabado, e Senhor Marley nos chamara para ir a sala dos pilares, que deveria ser a sala onde eu fui parar quando entrei naquela casa, e escorreguei pela privada. Nenhuma luz estava acesa, já que o fogo em meu pilar iluminava todo o lugar. Percebi que havia muitos mais computadores do que eu havia notado na primeira vez. E que eles estavam ligados. Com vários números e letras na tela. O que deixava meus olhos ardendo.
- Bom, como vocês já sabem, temos um novo recruta. – o cara da cabeleira vermelha falou, e seus óculos se mexiam enquanto ele falava, o que deixava ele meio engraçado. – Aliss Joe, Protetora do Fogo. Filha do cientista Adalberto Joe. – ele aplaudiu – Certamente não puxou o pai...
- Ei! Mas é claro que eu me pareço com ele! Ele é ruivo e...
Tio Marley olhou para Amanda, como se perguntasse algo com o olhar para ela. Amanda negou com a cabeça e ele virou os olhos para mim.
- Aliss, aquele pai foi criado por seu pai verdadeiro. – explicou Tio Marley.
- Como? – falei quase que querendo rir na cara dele.
- Seu pai nunca pode ser presente, já que nunca podia deixar o serviço. Por isso, criou robô Ed para substituí-lo.
Minha cabeça estava de ponta pra baixo. Como assim meu pai era um robô? Então como esse tal de Ed ria e brincava comigo? Dizia que sentia minha falta, e que sempre lembrava de mim quando estava sozinho. Nunca tive coragem de perguntar para meu pai onde ele trabalhava. A única coisa que sabia era que ele era vendedor ambulante, ou seja, ela viajava de cidade em cidade vendendo coisas, mas nunca passou por minha cabeça que ele seria um cientista renomado. Bem, e por que ele nunca me disse nada? Por que não me trouxe pra cá em vez de me deixar com Sandra?
- Isso não pode ser verdade. – afirmei.
- Então me diga porque seu pai e deixou com a sua madrasta má?
- Bem... Ele se casou com ela, e por causa do emprego de vendedor...
- Ou, - Amanda interferiu – ele era um cientista brilhante, que criou uma máquina capaz de ser controlada a milhares de kilômetros de distância, e não poder deixar o emprego, por isso se casou com Sandra, a mulher mais interesseira que poderia ter casado.
- Mas... – falei sem argumentos, mas Amanda prosseguiu.
- Ele se casou com Sandra, pois sabia que você iria preferir ficar conosco em vez dela, pois se fosse uma mãe cuidadosa e protetora, você não conseguiria deixá-la para trás.
- Mas... – balancei a cabeça, tentando não encaixar isso na minha vida – Como sabem de Sandra? E onde está meu pai?
- Nós monitoramos sua vida, desde que eu te encontrei, senti algo ruim em você.
- Obrigado – falei a Amanda.
- Bom, para mim, você é ruim. Tem fogo no sangue, e eu sou água, creio que nunca nos daríamos bem. Mas Tio Marley me falou para não te machucar.
- E Talita? – falei perguntando o porquê de ela ter quase afogado minha amiga.
- Bem, eu sou uma mestra em estratégias... – Ela se gabou – Se você não pode relar na água, não poderia resgatar Talita. Se você não resgatasse Talita, e eu sim, ela não iria querer que você fosse na casa dela, e assim, você acharia eu como uma ini-amiga. Já que te odeio, mas salvei Talita. Assim, você não recusaria meu convite para vir visitar minha casa. E assim, eu te atrairia para a Fraternidade.
- V-você planejou tudo isso?
- Bem, eu não sabia se você iria dizer sim ou não. Então tinha um plano B, se caso o plano A falhasse.
- Qual plano?
- Te deixar inconsciente e te carregar até a Fraternidade.
- Pois eu me sinto feliz de ter aceitado ao convite... – respondi.
Tio Marley revirou os olhos, do mesmo jeito que Amanda fazia, e estralou os dedos, também do mesmo jeito que Amanda fazia. Deni parecia não estar na sala, pois estava concentrado demais pensando em como foi a morte da bezerra. Amanda tentava de algum jeito, fazer água brotar dentro de um copo. E eu estava esperando aquela estranha família dizer algo.
- Bem, hora de dormir! – anunciou Tio Marley.
Em parte, eu estava feliz por saber que poderia repousar meu cérebro. Mas ainda queria respostas, do tipo: “Onde está meu pai?” “Onde estão os outros Protetores?” “Eu posso fazer fogo?”.  Mas Tio Marley já havia decretado aquela ordem, e parecia que todos iam obedecê-la. Não entendo esses filhos. Os pais dizem que é hora de dormir, eles dormem. Os pais dizem que é hora de comer, eles comem. Afinal, se os pais disserem que não é hora de respirar, eles vão morrer sem oxigênio no cérebro? Amanda se aproximou de seu pilar, e dessa vez só aponto a cabeça para a direita, e a porta se abriu, deslizando para o mesmo lado. Deni seguiu seu pai. Talvez aquele não fosse o dormitório de Deni. Uma pena. Aproximei-me de meu pilar. Queria fazer algo bem original. Então, avancei, como se não houvesse pilar. E não é que eu o atravessei e fui parar no meu quarto!
Sentei-me em minha cama. E senti a coberta felpuda em meio aos meus dedos. Não me dei ao trabalho de trocar de roupa. Somente deitei por cima das cobertas e deixei o sono e a impaciência tomarem conta de mim. Fazendo-me adormecer cada vez mais.

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